As entrevistas da ACEO 09: Lima Verde, memória viva da orquidofilia cearense

Engenheiro agrônomo e botânico taxonomista, Luiz Wilson Lima Verde é um homem da Ciência. Mas nem a objetividade e isenção da Ciência abalam sua forma apaixonada de encarar as orquídeas. Ligado ao Departamento de Biologia do Centro de Ciências da Universidade Federal do Ceará, ele se dedica aos estudos florístico-fitogenéticos dos vários ecossistemas cearenses, identificação taxonômica das espécies constantes desses ecossistemas (incluindo orquídeas e bromélias) e estudos sobre as abelhas nativas sem ferrão do Ceará, no que se refere às espécies por ecossistemas e suas relações com a flora local. Atual Diretor Técnico-Científico da ACEO, Lima Verde faz, nesta entrevista, um breve histórico da orquidofilia no Ceará e fala de seu trabalho como orquidólogo.
ACEO – Você, que é testemunha e personagem do movimento orquidófilo no Ceará, há muitos anos, poderia contar como tudo começou?
Luiz Wilson Lima Verde – O cultivo de orquídeas no Ceará remonta, pelo que sabemos, às primeiras décadas do século passado. Em Guaramiranga, as famílias Linhares e Matos Brito cultivaram-nas, inclusive em ripados. Em Maranguape, área serrana, o pai do nosso companheiro Pompeu de Souza Brasil também cultivou a nossa Cattleya labiata, mais ou menos no mesmo período. Supomos que nas décadas seguintes uma ou outra pessoa, em Fortaleza, também se dedicou ao cultivo dessa espécie. Com o surgimento dos jardins de comercialização de plantas ornamentais, no final da década de 60 para início de 70, deram-se os primeiros contatos entre os amantes das orquídeas, embora esses contatos também se estabelecessem entre pessoas que já se conheciam, como foi o caso do Waldir, o Sr. Gerardo (seu sogro) e eu. O certo é que em 1977 já havia um número maior de entusiastas, que se conectavam nesse sentido e o passo seguinte foi a criação da Sociedade Cearense de Orquidófilos (SCO).


ACEO – Como funcionou a SCO em seus primeiros anos?
LWLM – Os primeiros anos foram muito semelhantes a esse período pelo qual passamos agora, da fase ACEO, claro que com outras conotações, em função da época e, até mesmo, de alguns objetivos. Mas predominou esse mesmo entusiasmo que desfrutamos neste momento: muita discussão, aquisição coletiva de híbridos, adubos, etiquetas etc. Houve, também, uma preocupação de organização do grupo e das atividades, mas com menos profissionalismo (ou objetividade) do que agora.
ACEO – Que contribuição uma entidade orquidófila pode dar para a sociedade?
LWLV – Diria que as entidades orquidófilas poderiam contribuir muito mais para a sociedade, no momento em que o desempenho do cultivo, além da parte prazerosa, esteja respaldado numa consciência preservacionista esmerada pela prática do conteúdo técnico-científico e filosófico aí estabelecidos. Se em décadas passadas o ato de cultivar orquídeas estava, em parte, assegurado pelas facilidades de aquisição de plantas, ainda numerosas e exuberantes nos seus habitats, nos dias atuais essa prática não se reveste mais de uma verdade contundente, e muito bem sabemos o porquê: coletas excessivas e indiscriminadas, além da degradação ambiental, conseqüência da má utilização dos ambientes. Temos que ter consciência disso e lutar para que as populações de orquídeas que restaram (e são muito poucas) nos seus habitats naturais tenham asseguradas sua sobrevivência e para que futuras gerações possam desfrutá-las de modo racional. Imagino que uma sociedade orquidófila assim estabelecida e conduzida com esse entusiasmo estará contribuindo significativamente para a sociedade.
ACEO – Quando você começou a estudar as orquídeas cearenses? Quais são seus projetos nessa área?
LWLV – O estudo das orquídeas cearenses teve início juntamente com o surgimento da SCO. Na época não trabalhávamos com pesquisas, no contexto científico, e o que conseguimos fazer foram apenas observações empíricas formalmente anotadas. Embora esse período tenha se caracterizado assim, foi possível desenvolvermos um pouco de conhecimento de grande parte das espécies de ocorrência no território cearense. Somente há quatro anos iniciamos um trabalho de levantamento de um grupo taxonômico (a sub-tribo Laeliinae) que, no nosso caso, envolveu espécies de Epidendrum, Cattleya, Dimerandra, Prosthechea, Scaphyglottis e Jacquiniella, tendo a serra de Maraguape, a 30 quilômetros de Fortaleza, como cenário da pesquisa.
ACEO – Que experiência essa pesquisa lhe proporcionou?
LWLV – Apenas para termos uma idéia da trabalheira desse estudo, cada exemplar coletado foi medido minuciosamente, desde as raízes até as flores, sem falarmos nas dezenas de outras exsicatas que foram consultadas, com a mesma finalidade, oriundas de outros herbários brasileiros e do exterior. Esse procedimento permitiu que fizéssemos uma descrição de cada espécie com comentários de distribuição geográfica nas Américas, no Brasil e no Ceará, além de abordarmos aspectos relacionados à fenologia (período de floração, frutificação e repouso), bem como de seus habitats aqui no Ceará. Nossos projetos encenaram o desejo de darmos continuidade a esse trabalho, contemplando outros grupos orquidáceos. Esse trabalho está prestes a ser publicado e, logo mais, teremos acesso a ele.
ACEO – Quantas seriam as espécies e como se distribuem as orquidáceas em nosso Estado?
LWLV – As espécies cearenses devem estar em torno de uma centena, ou quase isso. Mais de 90 por cento de nossas espécies acham-se em áreas montanhosas, principalmente nas serranias próximas ao litoral. Como o Ceará tem em torno de 80 por cento de seu território sob os efeitos do clima semi-árido e, portanto, com a vegetação de caatinga como representante mais significativa, poucas foram as espécies de orquidáceas que aí se adaptaram. Espécies como Catasetum barbatum e Oncidium cebolleta têm sido registradas para esse ecossistema e, assim mesmo, em ambientes mais amenos, como as áreas próximas aos rios (matas ciliares). Vale ressaltar que o nosso Epidendrum ciliare, dada sua grande plasticidade adaptativa a diversos habitats, distribui-se da faixa litorânea às serras úmidas próximas, onde atinge altitudes máximas de 600 a 700 metros. Noutra via, essa espécie também se adentra na depressão sertaneja (Sertão), ocupando, como temos constatado até agora, alguns afloramentos rochosos ribeirinhos ou aqueles de maiores altitudes, conhecidos como monólitos. Outra espécie, ainda não identificada, ocorrente nesses ambientes, é o Cyrtopodium sp.
ACEO – Que contribuições a Universidade pode dar para a Orquidologia e a Orquidofilia?
LWLV – No Nordeste do Brasil existem poucos pesquisadores dedicados à Orquideologia. Contudo, já dispomos de algumas informações científicas, principalmente nas áreas da Taxonomia e Florística (levantamento de espécies). Acredito que, no Ceará, sou o único que se dedicou ao estudo desse grupo botânico. A Universidade, através de suas áreas competentes (Departamento de Biologia, Botânica ou Fitotecnia), ao produzirem novas informações referentes às orquidáceas, estará contribuindo para o conhecimento e, conseqüentemente, para garantir que essas espécies possam ter, principalmente, a oportunidade de se perpetuar como entidades biológicas, tanto nas condições naturais quanto artificiais. Poderíamos dizer que “só conseguimos preservar e cultivar aquilo que conhecemos”. Neste caso, lucram as espécies de orquídeas, pela possibilidade de sobrevivência, e lucra a orquidofilia, pela possibilidade do cultivo com consciência e decência. Acho que em breve teremos andamentos de pesquisas bem mais freqüentes, haja vista que a criação de um orquidário no Centro de Ciências Agrárias da UFC irá trazer uma nova era de pesquisas, até mesmo mais dirigidas para as diversas nuances do cultivo.

1 comentário em “As entrevistas da ACEO 09: Lima Verde, memória viva da orquidofilia cearense”

  1. É para mim, como sempre foi, um deleite, ouvir, ler, ver e falar com este formidável Lima Verde. Tenho a certeza que a persistência dele em prover o Estado do Ceará de condições mais favoráveis ao estudo de sua flora orquidácea vai prover a ACEO, a orquidofilia nordestina e nacional de novos valores, que nos propiciarão mais e mais ensinamentos; ainda à época da antiga SCO, foi realizado em Fortaleza, se não me engano em 1985, um Simpósio do qual modestamente participei, um primeiro passo importante no sentido de prover os orquidófilos locais de mais conhecimentos. E o nosso Lima Verde nele brilhou com uma bela apresentação, se bem me lembro! Um abração a ele e a todos vocês que fazem essa ACEO de hoje.
    Leonardo.

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