Uruburetama e as orquídeas

Orquídea na serra de Uruburetama
Orquídea na serra de Uruburetama

A serra de Uruburetama constitui o segundo maior maciço residual cristalino montanhoso do Ceará. Situada na porção setentrional do Ceará, tem cerca de 1000 km² de área e engloba partes dos municípios de Uruburetama, Irauçuba, Itapajé, Itapipoca e Umirim. A parte úmida e subúmida compreendem o platô da serra e as encostas norte-oriental que estão voltados para o litoral. Esta vertente recebe os ventos carregados de umidade provenientes do oceano, os quais, ao esbarrem nas suas superfícies de altitudes mais elevadas, deixam cair as chuvas do período e as neblinas ocasionais na época da estiagem. A média pluviométrica local está na faixa de 1200 mm/ano, concentrada nos meses de março-abril-maio. As altitudes médias nas áreas úmidas estão em torno de 750 m.

Na vertente voltada para o litoral, acima dos 600-700 m de altitude, predomina, principalmente, a vegetação úmida (floresta ombrófila montana) e, abaixo, a mata seca (floresta estacional semidecidual submontana), remanescentes disjuntos de Mata Atlântica. Abaixo de 400-300 m de altitude acostam-se a vegetação de caatinga arbórea ou outras tipificações vegetacionais características das áreas pré-litorâneas que se estendem em direção à faixa praiana. Na outra vertente, em áreas voltadas para o sertão, onde a umidade é mais reduzida, os limites da mata úmida referem-se às estreitas faixas de maiores altitudes, prevalecendo, logo abaixo, a mata seca que já se encontra com a caatinga arbórea nas faixas altimétricas em torno de 600-500 m.

Como se pode observar, esses condicionantes geoclimáticos proporcionaram, a barlavento, o estabelecimento de ambientes favoráveis ao desenvolvimento de uma flórula diversificada, inclusive epifítica, bastante significativa, e onde se destacam, entre vários grupos botânicos, o das Orchidaceae.

Atualmente essas áreas acham-se fortemente descaracterizadas pelos desmatamentos para fins agropecuários e extração de madeiras. A bananicultura tem sido a atividade que mais contribuiu para pôr abaixo quase toda a vegetação florestal, outrora exuberante, deixando apenas resquícios fragmentários nos topos de algumas elevações e, em raras localizações de mais fácil acesso.

A falta de manejo adequado para um uso sustentável desses ambientes vem tornando esse maciço altamente vulnerável à perda de parte de seu patrimônio paisagístico, cujos componentes abióticos e bióticos de seus hábitats estão consideravelmente degradados e, em grande parte, talvez até irreversivelmente.

O ato de se avaliar o que restou dessa paisagem necessita de estudos iniciais, principalmente de ordem pedológica, botânica e zoológica, para que se possam particularizar ações voltadas para a sua recuperação. Deve-se pensar, desde já, sobre a possibilidade de que os fragmentos vegetais restantes, dada a situação de disjunção em que se encontram, poderão estar afetando as interações gênicas entre as populações das diversas espécies, em conseqüência da falta de fluxo gênico entre seus respectivos componentes.

Não haverá resultados positivos se simplesmente forem tomadas medidas burocráticas para a preservação dessas áreas. Os efeitos do antropismo secular local já foram tão marcantes que qualquer planejamento recuperativo deverá ter como base a implantação de corredores ecológicos estruturados em função da recuperação espontânea e do reflorestamento com espécies nativas dessas áreas degradadas. Nenhuma dessas medidas terá êxito se não forem previamente desenvolvidas pesquisas botânicas relacionadas, principalmente, a levantamentos florísticos e fitossociológicos, com os quais se terá em conta o conhecimento da riqueza e da abundância da flora nos respectivos conjuntos vegetacionais. Paralelamente, complementam-se esses estudos com os levantamentos faunísticos e pedológicos.

A recuperação e a integração desses fragmentos vegetais para a serra de Uruburetama, embora não possa ser considerado um ato a ser desempenhado exclusivamente em prol das orquídeas aí existentes, pois não se pode desprezar as outras espécies (vegetais e animais), terá um significado bem particular para os estudos botânicos relacionados às Orchidaceae e para a orquidofilia cearense. Neste sentido estará garantida a sobrevivência de uma espécie dessa família botânica, a Cattleya labiata Lindl., considerada a “Rainha do Nordeste” pelos orquidófilos, que vem tendo, desde o século XIX, uma participação muito significativa no setor horticultural mundial, dada a sua inclusão como planta ornamental em si, e, indiretamente, como participante em milhares de cruzamentos genéticos que trouxeram a esse setor uma infinidade de híbridos de alta qualidade e extensivamente cultivados em todo o mundo. Da serra de Uruburetama foram registrados diversos tipos horticulturais de Cattleya labiata, inclusive um homenegeando o ex-presidente da República, José Sarney. Essa espécie acha-se restrita a algumas serras úmidas cearenses, distribuindo-se, contudo, do norte do Rio de Janeiro ao Ceará.

No território cearense já foi bastante perseguida, desde os anos 40, no que se refere ao sistema predatório de coletada, chegando mesmo a ter parte de suas populações dizimadas em locais das serras de Maranguape e de Uruburetama. Os poucos indivíduos que restaram, atualmente acham-se “acuados” nesses restritos fragmentos serranos, ainda submetidos, ocasionalmente, às investidas de coletores para fins comerciais.

Dentro da programação de recuperação dessas áreas, também se deve propor a reintrodução dessa espécie e de outras que venham a ser consideradas em vias de extinção, à semelhança do que já vem acontecendo em Pernambuco, em áreas de Mata Atlântica, onde, através de convênio entre a UFPE e grupos de orquidófilos, espécies orquidáceas estão sendo usadas no repovoamento desses hábitats, inclusive a C. labiata.

(Luiz Wilson Lima Verde é engenheiro agrônomo e Diretor Técnico-Científico da ACEO)

9 comentários em “Uruburetama e as orquídeas”

  1. Olá,meus familiares são de Uruburetama e minha mãe sempre falar que quando era jovem havia muitas orquideas, pois, a mesma morava no alto da serra.
    É um prazer ver algumas especies de orquideas.

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