Entrevistas – nº 23: Luiz Filipe Varella entre os livros e as orquídeas

JARDIM DOS EPIDENDRUM – Luiz Filipe tem uma relação muito especial com esse habitat de Epidendrum fulgens (foto). Fica a meio quilômetro de sua casa de praia, em Capão da Canoa, no litoral norte do Rio Grande do Sul. A casa foi adquirida em 2006 e, desde então, ele tem passado mais tempo na restinga dos Epidendrum do que na areia da praia. É o que ele chama de “Jardim dos Epidendrum” e que deu título a seu artigo publicado na revista “Como cultivar orquídeas”.

Luiz Filipe Varella

Luiz Filipe Klein Varella, Vice-Presidente do Círculo Gaúcho de Orquidófilos-CGO, nasceu em Porto Alegre, em 1967. É advogado, casado com Sílvia, pai de Luiz Filipe Júnior e Augusto Manoel. É um dos fundadores do grupo de discussão Microorquídeas, criado em 2006, além de moderador do grupo Mundo das Bromélias. O “Boletim ACEO” publicou e, aqui, nós transcrevemos a conversa entre Luiz Filipe e a presidente da Associação Cearense de Orquidófilos, Vera Lúcia Matos Coelho:

Vera Lúcia Matos Coelho – Como você concilia a profissão de advogado, escritor, e o hobby com bromélias e orquídeas?

Luiz Filipe Klein Varella – A família e a profissão estão acima de tudo. Mesmo o ofício da literatura está alguns degraus abaixo, porque não sou efetivamente um escritor ativo. Lancei dois livros de contos e futuramente pretendo lançar um terceiro e, eventualmente, outros livros, mas o futuro é sempre incerto, e se lançar um terceiro livro não sei, por exemplo, se lançarei um quarto livro. Gosto de escrever e reescrever meus textos (muita gente já disse que enquanto o texto não está publicado ainda não está terminado, e isto é uma grande verdade, assim como também é verdade o fato de que, depois de publicado, o texto não é mais nosso, mas do leitor). Gosto de escrevê-los e deixar numa gaveta para reler dali a um tempo. É como se fosse um texto de outro autor, e ficam evidentes problemas que assim podem ser resolvidos pelo próprio autor. Mas daí a publicá-los vai uma grande distância.

Quanto a conciliar a profissão de advogado com o cultivo de orquídeas e bromélias, é uma questão de adequação e rigidez de horários. Se não houver uma organização do dia a dia, vai naufragar tudo junto em uma grande catástrofe pessoal – profissão e hobby, e provavelmente respingando na família também. Assim, há que respeitar horários para as plantas e horários para a profissão, e os horários desta poderão reduzir os horários daquelas sem dó nem piedade. Felizmente, sou profissional liberal e, tendo meu próprio escritório ,tenho liberdade para mexer com meus horários numa forma que não teria se tivesse que bater ponto numa repartição ou num banco. Mas, por outro lado, isso aumenta muito minha responsabilidade pessoal e, além disso, sabemos que o estresse é inerente à profissão de advogado e é constante (especialmente depois do surgimento do telefone celular e do e-mail: a advocacia – e de resto a mior parte das profissões – tem um absoluto divisor de águas entre “antes do celular e da internet” e “depois do celular e da internet”.

Outra coisa boa é que minhas plantas estão em minha casa, o que me mantém sempre muito próximo delas. Conheço muitos amigos que têm suas orquídeas em sítios, ou moram em apartamento e cultivam-nas no orquidário de alguém, ou na casa da mãe, ou sei lá mais onde. Admiro muito quem consegue cultivar suas plantas assim, porque eu não consigo.

VLMC – Fale de seus contos e do prazer que a Literatura lhe dá.

LFKV – Sou filho de professora e advogado, sempre gostei de escrever. Tínhamos uma máquina de escrever portátil Olivetti em casa, eu gastava meus dedos ali e no jogo de botão. Escrever ficção foi uma consequência. Escrevo histórias curtas há mais de 30 anos, e nos anos 90 realizei oficinas de criação literária com Luiz Antonio de Assis Brasil e Léa Masina, dois grandes nomes da Literatura gaúcha, o primeiro, um escritor reconhecido internacionalmente, um dos maiores escritores do Rio Grande do Sul, e Léa Masina, uma de nossas maiores críticas literárias.

O resultado foi um aprimoramento de estilo, uma escolha definitiva (o texto curto) e um início; comecei a publicar contos em coletâneas e jornais e, nos anos 2000, lancei meus dois livros de contos – “Tinha um telefunken preto-e-branco” (Editora Conceito, 2003) e “Um guarda-sol na noite” (Editora Dublinense, 2009).

Apesar de eu gostar muito de escrever (sempre textos curtos, não sinto condição alguma para escrever textos longos, aliás, acho admiráveis os autores que escrevem novelas e romances; eu jamais conseguiria escrever um desses livros que ‘param em pé na estante’), o que eu gosto mesmo é de ler, ler ainda é melhor que escrever… Leio muito os autores nacionais, especialmente os contistas, dos quais destaco Sérgio Faraco, Rubem Fonseca, Lígia Fagundes Telles, Luiz Vilela e Dalton Trevisan. Dos escritores novos, dois autores maravilhosos – o gaúcho Daniel Galera e o amazonense Milton Hatoum. Dos antigos, Machado de Assis, Guimarães Rosa e Érico Veríssimo, todos a meu ver insuperáveis em seus respectivos estilos.

VLMC – Como e quando começaram seus estudos com as bomélias?

LFKV – A paixão pelas bromélias surgiu quase por acaso. A partir da metade da década de 90, com idas frequentes a Florianópolis com a família, onde alugávamos casas de veraneio em Ponta das Canas, no extremo norte da ilha, comecei a tomar contato direto com a flora nativa de lá. Já não era mais guri novo, tinha quase 30 anos. Bom, todas as casas tinham sempre árvores nativas, e todas as árvores tinham sempre bromélias, e muitas espécies de muitos gêneros…

Aqueles morros, aqueles capões de mata atlântica na encosta do mar, me atraíam demais. Comecei então a observar de perto a flora bromeliácea, a reparar nas diferenças de vegetais e de flores, as épocas de floração, os hábitos das espécies, a apresentação das plantas… Caminhava muito pelos morros e trilhas da região, com contato direto principalmente com espécies de floração no verão, como Aechmea nudicaulis e Aechmea comata, muito comuns em Florianópolis. E as Dyckias nas pedras próximas do mar.

Dali comecei a ler, procurar informações na internet, procurar bromélias também em Porto Alegre, onde impera a Tillandsia aeranthos, bromélia rainha do inverno da capital gaúcha. Meu gênero favorito logo passou a ser Tillandsia, principalmente depois de contatos com a saudosa Teresia Strehl, grande estudiosa das bromélias do Rio Grande do Sul e responsável pela descrição de diversas novas espécies e variedades. Sinto muita falta do conhecimento e das lições que aprendi com Teresia nos poucos anos em que tive contato com ela, que faleceu em 2009.

VLMC – Sabemos de sua paixão, também, pelas microorquídeas. Algum motivo especial?

LFKV – As orquídeas vieram depois das bromélias, mas praticamente pelos mesmos motivos, o contato na natureza, a “necessidade” de procurá-las, de ver nos habitats. Eu e minha família sempre gostamos da serra gaúcha, e também da serra catarinense, onde minha esposa tem parentes, e sempre com o hábito de percorrer trilhas e entrar no mato, comecei a observar as orquídeas dessas regiões, logo notando a grande e contínua ocorrência de microorquídeas, especialmente espécies de Pleurothallidinae, Maxillariinae, Ornithocephallinae e Oncidiinae.

Foi o surgimento de outra paixão, as orquídeas; não vieram a substituir as bromélias, mas a somar-se a elas. Em seguida, fiz o curso de cultivo de orquídeas com Sérgio Inácio Englert, aqui em Porto Alegre, onde fui logo reconhecido como “esse aí vai ser daqueles que gostam das micros”, quando ele me observou mais interessado em espécies de Capanemia e Isabelia do que em Laelia ou Cattleya. No meio da década passada, comprando uma casa no litoral gaúcho, passei a aventurar-me bastante também nos matos da região, onde existe uma outra flora orquidácea e bromeliácea, também com grande incidência de microorquídeas mas com espécies de maior porte, como as Laeliinae da região (Brasilaelia purpurata, Cattleya intermedia, Cattleya leopoldii, espécies de Epidendrum e Anacheilium, além de outros gêneros de orquídeas grandes como Catasetum e Bifrenaria). Posteriormente, com o ingresso no Círculo Gaúcho de Orquidófilos, em 2006, tudo isto foi amplificado pelo contato com grandes orquidófilos de Porto Alegre.

Nesse meio tempo, comecei também a ter contato com orquidófilos do centro do país através do grupo de discussão Mundo Orquidófilo do Yahoo, onde ingressei em 2005, e em seguida comecei a trocar emails com Americo Docha Neto e Dalton Holland Baptista, do projeto Orchidstudium, para discutir especialmente as questões de Oncidiinae e particularmente dos gêneros derivados de Oncidium. Auxiliei o projeto enviando fotos e exsicatas de algumas espécies gaúchas, particularmente dos gêneros Baptistonia e Alatiglossum, e auxiliei Américo Docha Neto na nova combinação envolvendo a planta que hoje está descrita como Brasilidium ottonis (Schltr.) Docha Neto & Varella, o antigo Oncidium ottonis, espécie de Ocidiinae de muita ocorrência na região serrana do Rio Grande do Sul, muito confundida, erroneamente, com Oncidium concolor (Brasilidium concolor).

Ainda em 2006 foi criado pelos moderadores do grupo Mundo Orquidófilo José Francisco Vannucchi e Damião o grupo de discussão Mundo das Bromélias, para o qual fui convidado a ser moderador, e ainda naquele ano criei o grupo de discussão Microorquídeas, juntamente com Daniela Lewgoy, que depois abandonou o grupo.

O contato é permanente com muitos orquidófilos brasileiros, particularmente com associados do grupo Mundo Orquidófilo e, especialmente, com minha amiga Maria Rita Cabral, a maior colecionadora de espécies nativas e exóticas que conheço, uma pessoa muito especial que tive a honra de conhecer pessoalmente e que, há alguns anos, chamei para ser co-moderadora das mensagens do grupo Microorquídeas. Também as trocas de mensagens com botânicos brasileiros de primeira linha como Eric Smidt, Luiz Menini e Antonio Toscano de Brito têm sido extremamente frutíferas. Comecei a colocar minhas fotos de orquídeas brasileiras e exóticas em meus álbuns no Flickr, ferramenta extremamente prática e de grande alcance, e o resultado passou a ser o contato com orquidófilos de outros países também, excelente relacionamento para troca de ideias e discussões envolvendo a flora orquidácea e bromeliácea. Uso muito o Facebook para esse fim também, mas o Flickr ainda é o que melhor resultado me tem trazido.

Os álbuns no Flickr começaram bem antes do projeto www.orquideasgauchas.net e envolvem não só fotos de orquídeas e bromélias mas também tudo o mais que gosto de registrar, principalmente natureza e “urbanidades” em geral, particularmente o graffiti de Porto Alegre, do qual tenho quase cinco mil fotos registradas desde 2008. Mas a grande maioria das fotos que estão no Flickr ainda é de orquídeas.

VLMC – O site www.orquideasgauchas.net, criado por você e Jacques Klein, é hoje reconhecido internacionalmente, reunindo 400 espécies de orquídeas do Rio Grande do Sul. O que tem a comentar?

LFKV – Este site surgiu no final de 2009, quando eu e meu grande amigo Jacques observamos que o público orquidófilo leigo do RS e do Brasil não possuía material a seu alcance sobre as orquídeas do nosso Estado. Apesar da grande quantidade de trabalhos acadêmicos sobre a flora orquidácea gaúcha, havia um vácuo no que diz respeito a registros fotográficos de nossos gêneros e espécies, mesmo na internet. Começamos a reunir nossos registros e a tirar cada vez mais fotos, principalmente em habitats, e logo Jacques montou o site e fomos colocando aos poucos, até julgarmos o projeto em condição de começar a ser divulgado. Isto foi no meio de 2010. São cerca de 400 as espécies de orquidáceas nativas do RS e de muitas ainda não temos fotos, mas por outro lado já montamos páginas de diversas espécies das quais nem sequer conhecíamos os habitats até então, particularmente as orquídeas terrestres, que atingem cerca de 1/3 das espécies do território gaúcho. Jacques tem extremo interesse nos gêneros terrestres e tem-se revelado um exímio conhecedor dessas espécies, como, por exemplo, as do gênero Habenaria, já tendo sido inclusive homenageado com o nome de uma espécie cuja ocorrência descobriu na serra gaúcha, Habenaria kleinii. Temos feito inúmeras incursões em habitats da Mata Atlântica do litoral norte e da serra, sempre com excelentes resultados tanto na observação das orquídeas quanto das bromélias.

VLMC – Você já foi presidente do Círculo Gaúcho de Orquidófilos e hoje é o vice-presidente. O que o CGO tem feito pela orquidofilia no Rio Grande do Sul?

LFKV – O CGO foi fundado em 1949. Consta que é a associação orquidófila mais antiga em atividade ininterrupta no país. Reunindo cultivadores, produtores e interessados em geral em orquídeas, realizamos três exposições anuais (Cattleya labiata em abril, Cattleya intermedia em setembro e Laelia purpurata no final de novembro). Assumi a presidência do Círculo em junho de 2010, procurando basicamente fazer um mandato alicerçado em algumas premissas, partindo de uma ideia pessoal que era a de acabar com o mito de que “presidente de associação orquidófila precisa apenas fazer exposição de orquídeas”. Com isso, tive sempre como linha de frente algumas questões importantes: manter o bom nível de relacionamento entre os associados, buscar novos membros através da aproximação com a comunidade, trazer associados antigos de volta, retomar o processo de reaproximação do CGO com as associações do interior, chamar a atenção para a flora orquidácea nativa gaúcha, fortalecer a divulgação de nossas exposições, buscar apoio de órgãos públicos e manter a linha de modernização do CGO, começada alguns meses antes com a criação de nosso site, na presidência de Sérgio Batsow, de quem fui vice-presidente em 2009. Em junho de 2012, meu amigo Júlio Pilla assumiu a presidência e voltei ao cargo de vice-presidente, no sistema de revezamento anual que o CGO realiza. Recentemente, demos mais um grande passo na visibilidade de nossa associção, que foi a inauguração do espaço de orquídeas no Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS.

VLMC Se fosse escolher sua Cattleya preferida, optaria por qual delas? Por quê?

LFV – As espécies gaúchas de Cattleya – C. tigrina e C. intermedia – são minhas favoritas, pelo contato direto com elas nos habitats, pela grande variação de formas de coloração, pelo conhecimento que recebo de grandes orquidófilos associados do CGO, como meus amigos Sérgio Amoretty, Miguel Leite, Júlio Pilla, Thomas Adamski e o saudoso Zacarias Sulepa, que deixou nosso convívio em 2012. Das demais espécies, destaco C. schilleriana, C. bicolor e C. lueddemanniana.

3 comentários em “Entrevistas – nº 23: Luiz Filipe Varella entre os livros e as orquídeas”

  1. Meus amigos
    Eu é que tenho que agradecer de joelhos o que aprendi com o amigo Luiz Filipe, seja na orquidofilia, seja na garra de ir vencendo etapas que se apresentam em nossas vidas. “a gente sempre vence”
    É das pessoas de maior conhecimento orquidófilo fora do meio científico que conheço.
    O escritor? Li 2 de seus livros e com grande prazer, pois são muito bons
    Fotografia? só olhar o seu site e seu flickr que todos poderão opinar
    Amizade? sim, somos muito amigos na orquidofilia e aprendemos a conhecer um pouco de cada um de nossos familiares.
    Luiz, parabéns pela entrevista.
    Italo e Vera, parabéns pelo entrevistado
    abraços em todo

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  2. Good morning

    I am looking for contact with Luiz Filipe Klein Varella , do you have his e-mail addrress or can you please tell him to contact me: RJOrchid@gmx.ch

    Rudolf Jenny

    Secretary general of the European Orchid Council (EOC)
    Research Associate of the Jany Renz Herbarium, University Basel, Switzerland
    BibliOrchidea, the most complete literature-database for Orchids existing: http://orchilibra.com

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