Entrevistas – nº 21: Delfina de Araújo: de aprendiz a mestre na escola das orquídeas

Delfina e Sérgio visitaram Fortaleza em novembro de 2009, quando participaram do 3º FestOrquídeas.

Ela já fez música eletroacústica e trabalhou como secretária trilíngue. Hoje é sócia-gerente do estúdio fotográfico do marido, Sérgio Araújo, e conduz uma livraria virtual especializada em lívros sobre orquídeas. Estas, de fato, são sua grande paixão. Delfina de Araújo é responsável, ao lado de Sérgio, pelo site mais premiado do Brasil nesse segmento (www.delfinadearaujo.com) e, também em parceria com o marido, é autora do livro “Orquídeas Brasileiras – Espécies e Híbridos”, um clássico.

Aqui, Delfina conversa com o editor do Boletim ACEO, jornalista Italo Gurgel, sobre seu trabalho, seu devotamento às orquídeas, seus planos:

ACEO – Sua infância foi no interior de Minas Gerais, a juventude no Rio e na França. Em que fase de sua vida você incorporou o amor pelas orquídeas?

Delfina de Araújo – Sempre gostei muito de plantas. Desde que me entendo por gente, estou às voltas com cuidar de vasos e jardins. Meu pai tinha um jardim grande, com muitas rosas, mas não cultivava orquídeas. Eu poderia dizer que meu interesse apareceu quando eu estava quase entrando na 3a idade. De repente, comecei a reparar mais nestas plantas e tentar cultivá-las. Minhas primeiras orquídeas foram presentes de minha mãe e foram plantas em vasos enormes, com pó de xaxim. Inútil dizer que nenhuma sobreviveu.

O golpe final foi em razão da dengue. Fui picada pelo mosquito, desenvolvi a doença e me vi obrigada a ficar de molho em casa, sem poder trabalhar. Numa tarde daquelas, estava assistindo um programa de debate e entrevista na antiga TVE e acabei tomando conhecimento da OrquidaRio, através de seu presidente na época, Hans Frank. Ele mostrou umas flores e falou da exposição que estava acontecendo na Universidade Gama Filho. Falou também de um curso que aconteceria no último dia daquele evento. Fiquei maluca e pedi a um funcionário para fazer minha inscrição, rezando para que a dengue acabasse para eu poder ir. Assisti ao curso e fui sorteada com uma Miltonia flavescens, que tenho até hoje e dela nasceram diversas outras plantas.

Naquela época, havia uma dificuldade muito grande de se adquirirem livros sobre cultivo adaptado ao nosso clima. Havia alguma literatura estrangeira sobre cultivo e, consequentemente, não estava de acordo com o nosso clima, mas não havia muita coisa sobre estas plantas em si. Assim, aquele pequeno curso foi muito importante para dar o início.

Em janeiro de 1995, fui a Nova Iorque e tive oportunidade de ver uma exposição de flores, onde a parte de orquídea era bem grande e onde vendiam diversos livros sobre o assunto, com muitas informações sobre a família, sobre as milhares de espécies no mundo inteiro. Voltei carregada deles e não consegui mais parar de estudar. Assim, fui adquirindo conhecimento sobre a família, mas aprender a cultivar mesmo foi na OrquidaRio, onde adquiri algum aprendizado com grandes cultivadores: Raimundo Mesquita, Hans Frank, Carlos Gouveia, João Paulo Fontes, Roberto Agnes, entre outros. Entre os estudiosos, destaco Francisco Miranda, Carlos Eduardo de Britto Pereira e Maria da Penha Fagnani, com quem aprendi muito. Fora da OrquidaRio, a lista de estudiosos que me auxiliaram é enorme.

ACEO – Como surgiu a ideia do site Brazilian Orchids?

Delfina – O site foi um presente do dia dos namorados que Sérgio me fez, em junho de 1996, e o impulso foi da Conferência Mundial de Orquídeas, que aconteceu no Rio, no Museu de Arte Moderna. O site explodiu de visitas e o sucesso foi imediato. Procurei Raimundo Mesquita, presidente da Conferência e um dos grandes sócios da OrquidaRio, que viu no site o seu grande potencial e me deu acesso às informações.

Durante a Conferência, ficamos muito surpresos de como um site, com tão pouco tempo no ar, pudesse já estar tão conhecido e admirado, não só por cultivadores como por pesquisadores. Logo depois, começamos a ser convidados para dar palestras em diversos locais, tanto no Brasil quanto no exterior. Calculamos que hoje em dia podemos computar, tranquilamente, mais de 5 milhões de visitas, pois diversos contadores de visitas foram apagados à medida que os sites que os forneciam deixavam de existir.

A surpresa de sermos convidados para a Conferência em Dijon-França foi grande, sobretudo pelo fato de que o assunto que eles queriam que falássemos ser o site em si e a revista Orchid News. Naquela Conferência, ganhamos o Grand Prix de melhor site de orquídeas amador do mundo, assim como a Medalha de Ouro. Aproveitamos a estada e fizemos uma reportagem especial sobre o evento, assim como fizemos para o 19o WOC (World Orchid Conferece) em Miami, onde fomos falar sobre as espécies de Oncidium no Brasil.

Já tivemos retornos muito gratificantes. Durante a guerra da desintegração da Iugoslávia, recebemos uma mensagem que nos emocionou demais. Um soldado dizia que, em suas folgas, ele se colocava na frente do computador e ficava navegando no site para se afastar das imagens horrorosas que presenciava todos os dias. Ele nos agradecia por termos feito o site. Até hoje me arrepio quando me lembro disto. Outra lembrança, bem mais amena, foi a de um pai que nos informou que havia enfeitado a festa do casamento da filha com orquídeas que ele havia aprendido a cultivar conosco.

ACEO – A quem está dirigida a Orchid News: aos pesquisadores, ou aos cultivadores leigos?

Delfina – É surpreendente o número de pesquisadores do mundo inteiro que acessam Orchid News. Acho que pelos assuntos abordados ela se enquadra melhor no público pesquisador, sobretudo depois que decidimos não continuar com o tópico “Cultivador”, que era voltado para um público mais leigo. Mas o número de amadores interessados em adquirir conhecimento é muito grande. Assim sendo, ela é muito acessada pelo público leigo também, pois as informações sobre os diversos habitats podem ser úteis na hora de cultivar uma determinada planta.

ACEO – Como funciona a livraria virtual Fina Orquídea?

Delfina – A Fina Orquídea Livros surgiu como consequência natural do site Brazilian Orchids. Tínhamos um tópico onde os livros sobre orquídeas eram anunciados gratuitamente. As pessoas enviavam as fotos e nós anunciávamos no site. Em contrapar-tida, sempre nos ofereciam um exemplar de cortesia. As pessoas entenderam que nós vendíamos livros, apesar de informarmos as coordenadas sobre onde se poderia  comprar  cada livro. Quando surgiu a publicação do livro de Toscano de Britto sobre a Chapada Diamantina, fomos consultados sobre a possibilidade de participar de seu lançamento e este foi o livro que deu origem à livraria virtual. Hoje em dia comercializamos livros novos, usados e raros. Como já somos conhecidos no mercado, quando uma pessoa quer se desfazer de livros sobre orquídeas, ela nos procura e fazemos a intermediação. Os autores e editores, sabedores de nosso público direcionado, sempre nos procuram também. Além dos livros anunciados, recebemos encomendas e procuramos junto aos nossos fornecedores a obra desejada. É um trabalho de formiguinha, mas que vem dando bons resultados e temos muita satisfação com este trabalho. Os retornos ao nosso atendimento sempre foram manifestação de satisfação.

ACEO – E quanto à produção bibliográfica da própria Delfina e do Sérgio?

Delfina – Publicamos o livro “Orquídeas Brasileiras – Espécies e Híbridos”, com duas edições esgotadas e temos diversos outros projetos que, infelizmente, ainda não foram concretizados. Participamos também dos Anais da Conferência Mundial em Dijon e da Conferência em Miami. Temos um livro já aprovado na Lei Rouanet, mas ainda não temos patrocinador.

ACEO – É impossível falar de orquídeas, sem nos voltarmos para as imagens de orquídeas. Fale do papel do Sérgio no site e nos livros.

Delfina – Sem o Sérgio Araújo, não haveria nem o site sobre orquídeas nem a livraria virtual. Ele criou e mantém os dois sites. Como eu disse, o site Brazilian Orchids foi um presente e por isto ele colocou o meu nome no domínio, mas, na verdade, deveria ter também o seu. Nosso site foi um dos pioneiros na internet a tratar somente de orquídeas e grande parte dos tópicos foi sugerida por Sergio. Eu contribuo com a parte técnica, digamos assim. As fotos de Sérgio são fundamentais e o banco de dados é uma das seções mais visitadas e sem as fotos não despertaria muito interesse. Nas reportagens das diversas exposições e conferências mundiais, as fotos são imprescindíveis. A ideia de lançar a revista virtual Orchid News também foi dele. O nome Brazilian Orchids foi escolhido em função da Conferência Mundial e depois não teve como mudar.

ACEO – Quem visitar seu orquidário, o que vai encontrar?

Delfina de Araújo – Amo as espécies brasileiras e estrangeiras, mas não tenho ambiente muito adequado para elas. Como não somos nós que escolhemos as orquídeas, são elas que nos escolhem, hoje em dia serão encontradas: Cattleya walkeriana, Brassia, Miltassia, Vandáceas, algumas espécies de Dendrobium e híbridos de Cattleya, sobretudo os que levam Brassavola, com seus segmentos finos. Não sou apreciadora de repolhões. Miltonia flavescens não pode faltar.

ACEO – Que avaliação você faz do movimento orquidófilo, hoje, no Brasil?

Delfina – Acredito que existem iniciativas importantes do Norte ao Sul do País, tanto do ponto de vista horticultural como do ponto de vista de estudos. O número de associações orquidófilas aumentou muito e a busca do conhecimento também. A internet trouxe uma grande contribuição, pois possibilita a comunicação instantânea. Não resta a menor dúvida que, hoje em dia, o conhecimento sobre as orquídeas aumentou muito em todos os sentidos.

ACEO – O que considera como principal papel das associações orquidófilas?

Delfina – Promover o estudo e a cultura das orquidáceas, lutar pela preservação através da conscientização e executar programas culturais voltados a despertar o interesse pela orquídea, através de exposições de plantas floridas, elaboração de cursos, debates, simpósios, conferências e congressos, bem como através do intercâmbio com associações congêneres, universidades e meio científico e muitos outros. A OrquidaRio, associação a que pertenço, possui uma ampla experiência como organizadora de exposições, além de atuar também na área de preservação.

ACEO – É impossível deixar de perguntar: qual a sua orquídea preferida?

Delfina – Esta é uma pergunta dificílima. Eu, realmente, não sei como responder. Não saberia dizer nem qual o gênero preferido. Amo as espécies bifoliadas de Cattleya brasileira, as rupícolas (Laelia), Sobralia, as terrestres, as espécies chamadas de micro e gosto muito de Dendrobium, mas, como disse, cultivo aquelas orquídeas que me escolheram.

2 comentários em “Entrevistas – nº 21: Delfina de Araújo: de aprendiz a mestre na escola das orquídeas”

  1. Oi, Vera e Italo! Sou fã das entrevistas da ACEO, já há bastante tempo. Li todas e sempre aprendo muito com elas. Esta da Delfina está um primor. Bastante extensa e detalhada, sem ser cansativa. Também divulguei esta matéria no meu blog. Parabéns e muito obrigado por compartilhar tão importante conhecimento!

    Um grande abraço!

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  2. Adorei a entrevista e a história da Delfina e do Sergio! O amor pela natureza e pelo conhecimento ficaram bem evidenciados, parabéns ao casal pela contribuição ao estudo da flora brasileira. Continuem difundindo conhecimento, todos os amantes das orquídeas agradecem!

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