As exposições de orquídeas e o triste espetáculo dos “mateiros”

Comércio ilegal de orquídeas
Comércio ilegal se desenvolve livremente. (Foto: Rogério Sella)

Não haveria “mateiros” se não houvesse compradores de orquídeas “do mato”.

As exposições de orquídeas, que tanto atraem as pessoas para o cultivo dessas flores, se traduzem, sempre, numa grande celebração à natureza. Ao deixar-se encantar pelas orquídeas, o visitante vai interessar-se por diferentes aspectos da orquidofilia e, necessariamente, vai querer, no futuro, proteger as orquidáceas, não apenas em sua estufa e nas árvores do jardim, mas também na natureza.

Contraditoriamente, muitos orquidófilos esquecem as preocupações ambientais e se dobram a uma prática lamentável: a compra de orquídeas surrupiadas de seu habitat natural pelos chamados “mateiros”. Demonstrações dessa prática perversa, por incrível que pareça, acontecem à porta de algumas grandes exposições nacionais, às vistas das autoridades às quais compete coibir o crime ali praticado.

Sim, porque comercializar orquídeas retiradas “do mato” é crime. A coleta na natureza, transporte e comercialização de orquídeas assim obtidas são atos criminosos. De acordo com a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, em seu Art. 48, “receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal (…)” é crime passível de detenção, de seis meses a um ano, e multa.

No parágrafo único do mesmo artigo, observa-se que “incorre nas mesmas penas quem vende, expõe a venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida (…)”. Embora não se refira especificamente às orquidáceas, a legislação abrange essa família.

E surge um agravante no Art. 53, onde se prevê que a pena será aumentada de um sexto a um terço, caso se trate de espécie rara ou ameaçada de extinção. Isto significa que quem vende ou compra, por exemplo, uma Cattleya labiata, espécie em extinção, retirada diretamente de nossas matas, está cometendo um crime ambiental sobre o qual pesam agravantes.

Comércio ilegal de orquídeas.
O desrespeito à natureza se espalha pelas calçadas. (Foto: Rogério Sella)

Se, por um lado, é flagrante a incapacidade – ou desinteresse, ou incompetência, ou tudo isso junto – por parte das autoridades ditas “competentes”, ao mesmo tempo registra-se a insensibilidade de muitos colecionadores que, mesmo sabendo da ilegalidade, insistem em comprar aquelas plantas maltratadas e cobertas de líquens, que se expõem nas calçadas, bem ao lado das exposições. Admita-se: não haveria “mateiros” se não houvesse compradores de orquídeas “do mato”.

A Associação Cearense de Orquidófilos tem, a propósito, uma atuação exemplar. Desde que foi reativada, em 2007, a ACEO vem trabalhando a consciência ambiental e divulgando, junto aos associados, a ideia de ajudarem no combate ao comércio ilegal de orquídeas. Para desestimular a compra de orquídeas subtraídas das serras cearenses, organizam-se aquisições coletivas em orquidários comerciais, que comercializam apenas plantas reproduzidas (legalmente) em laboratório.

Ao mesmo tempo, expõe-se um argumento de peso: as orquídeas surrupiadas da mata são, em geral, portadoras de fungos, bactérias e outras pragas e doenças que podem contaminar todo o orquidário, obrigando ao uso de dispendiosos defensivos químicos – tão prejudiciais ao bolso quanto à saúde humana e ao meio ambiente. Além do mais, a qualidade dessas flores é sofrível, em contraste com as do comércio legal, que, além de sadias, apresentam ótima estética, como resultado de longo e cuidadoso trabalho de melhoramento genético.

Um sinal evidente de que os esforços da ACEO foram recompensados é o fato de que, nas suas exposições, não se reproduz, jamais, o triste espetáculo do comércio de orquídeas subtraídas da natureza. Apenas os orquidários comerciais estão autorizados a atuar no evento, enquanto se exerce severa vigilância nas proximidades para evitar a atuação de “mateiros” que, na verdade, já descobriram, há muito tempo, que ali não há lugar para eles.

Floração da Cattleya labiata Lindl., em orquidário do Ceará, no ano de 2016

Floração da Cattleya labiata

2016 foi um ano atípico (também) em meu orquidário, instalado na cidade de Eusébio, na Região Metropolitana de Fortaleza. O local é um tabuleiro arenoso, a 25m do nível do mar e a 15 km da costa em linha reta. Ventos constantes, temperatura média anual de 23 a 32 graus, e umidade relativa média de 78,8%.

Se, por um lado, o Sertão cearense sofreu com o quinto ano consecutivo de seca, no litoral choveu bastante, no ano que passou. Em abril, uma precipitação de 150 mm, no Eusébio, causou grandes estragos no orquidário, o que me convenceu a mudar sua localização. A estrutura, que ficava na margem de um riacho, foi desfeita e reerguida a curta distância, porém em local mais alto e seguro. Durante os 15 dias da mudança, as plantas ficaram amontoadas e padeceram com a precariedade de sua moradia temporária. Houve perdas importantes.

Tsunami no orquidário: aqui ficavam os vasos com as orquídeas terrestres.

Apesar do triste episódio, o registro das florações, que faço religiosamente, há vários anos, manteve padrão semelhante ao dos anos anteriores, com uma curva ascendente, que começa em novembro; um pico em fevereiro; e uma curva descendente, com oscilações, que atinge os limites mínimos entre o segundo e o terceiro trimestres. Jamais se passou um único mês sem que houvesse labiatas floridas.

Minha coleção de C. labiata Lindl. está hoje com 170 plantas adultas, das quais 123 lançaram flores em 2016, totalizando 183 florações. O gráfico revela esse desempenho, mês a mês, traduzindo os seguintes números:

  • Janeiro – 22 (12,02%)
  • Fevereiro – 55 (30,05%)
  • Março – 20 (10,93%)
  • Abril – 14 (7,65%)
  • Maio – 6 (3,28%)
  • Junho – 5 (2,73%)
  • Julho – 11 (6,02%)
  • Agosto – 5 (2,73%)
  • Setembro – 10 (5,46%)
  • Outubro – 2 (1,09%)
  • Novembro – 13 (7,10%)
  • Dezembro – 20 (10,93%)

Prof. Italo Gurgel (jornalista, membro da Associação Cearense de Orquidófilos-ACEO)

Cattleya intermedia, a flor que habita o coração dos gaúchos

Cattleya intermedia
Cattleya intermedia flâmea. (Foto: Ernani Baier)

Somente quem vive no Sul do Brasil sabe da inclemência do inverno nesta região. O “sulista” sofre com frio, chuva, dias nebulosos e o famoso vento “minuano”. E é com alegria e esperança renovada que recebe as primeiras “floradas” de Cattleya intermedia: significa que o pior do inverno já passou e a primavera não está mais tão longe.

A Cattleya intermedia, na natureza, aparece na região entre o Rio Grande do Sul até início de São Paulo, sendo menos comum no Paraná. Sua ocorrência costuma ser na proximidade de rios, lagoas, regiões com água. É a flor de maior apreciação no Rio Grande do Sul, havendo inclusive discussões se não deveria ser a flor símbolo do Estado.

Muitos orquidófilos fazem seus cruzamentos e semeaduras, sendo que anualmente surgem muitas flores com formas de colorido e nuances diferentes, existindo atualmente uma miríade de plantas com formato de cores diferenciadas, o que levou ao questionamento, por parte de alguns orquidófilos, se não seriam híbridos. De qualquer forma, é uma flor onde o processo de melhoramento e seleção está em estágio avançado, existindo uma grande procura pela flor “perfeita”. Sem falar do uso de outros mecanismos “mais avançados” de melhoramento da forma e tamanho da flor.

No Rio Grande do Sul, as exposições de intermedia acontecem entre meados de agosto e meados de outubro. É comum que no mesmo final de semana ocorra mais de uma exposição, dada a quantidade de associações que existem no Estado. Entre as associações mais antigas, temos a Associação Santacruzense de Orquidófilos, em Santa Cruz do Sul – na região central do Estado. Esta associação foi fundada em 20 de Julho de 1951, sendo que em 2016 realizou a 45ª exposição de Cattleya intermedia, nos dias 3 e 4 de Setembro, nos pavilhões do Parque da Oktoberfest. Houve mais de 700 plantas expostas e a Diretoria da entidade estima o número de visitantes, durante os dois dias do evento, superior a 5.000 pessoas. Como não existe cobrança de ingresso, não se tem o controle do número de visitantes.

Uma exposição de Cattleya Intermedia sempre reúne expositores e visitantes de vários municípios situados nas proximidades, sendo uma oportunidade de os amigos da orquidofilia se encontrarem para apreciar Cymbidiuns, Dendrobiuns, Cattleyas e muitas outras espécies. Sem falar do aprendizado sobre substratos, adubação e métodos de cultivo.

Na sequência compartilhamos algumas fotos de plantas da exposição e outras que floriram no orquidário do autor.

Saudações orquidófilas,

Ernani Baier, de Santa Cruz do Sul – RS – Novembro de 2016.

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Padrão atípico na distribuição das florações da C. labiata em 2015

Cattleya labiata var. rubra
Cattleya labiata var. rubra

Texto, fotos e cultivo de Italo Gurgel

Uma observação inicial seria oportuna: não desenvolvi nenhuma técnica especial para cultivar orquídeas, mas, em meu orquidário, na Região Metropolitana de Fortaleza/CE, a Cattleya labiata Lindl. floresce o ano inteiro.

Em 2015, a distribuição das florações dessa espécie apresentou, mês a mês, oscilações bem fora do padrão que venho observando há muito tempo. Adiante-se que não se registrou, no período, qualquer alteração significativa na coleção, instalada em um sítio na cidade de Euzébio/CE, onde as condições ambientais foram praticamente as mesmas dos anos anteriores. O local é um tabuleiro arenoso a 25m do nível do mar e a 15 km da costa em linha reta. A temperatura média anual varia de 23 a 31 graus e a umidade relativa média é de 78,8%.

Cattleya labiata var. semialba
Cattleya labiata var. semialba

A quadra atual, que perdura há quatro anos, é de poucas chuvas, com um recrudescimento do calor no verão. Ventos fortes e secos sopram entre agosto e outubro. As plantas recebem tratos culturais regulares e o orquidário possui sistema automático de nebulização, que somente é desligado nos dias de chuva, que se concentram nos primeiros meses do ano.

A coleção de C. labiata reúne, hoje, 159 plantas adultas, além de outras em diferentes estágios de crescimento. Elas se apresentam em quase todas as suas variedades (com predominância da típica), sendo a maioria dos clones originária das serras cearenses. Muitas touceiras já foram desdobradas, e somente uma quarta parte foi adquirida em orquidários do Sudeste do país, constituindo-se em plantas que passaram por sucessivos cruzamentos.

Cattleya labiata var. caerulea
Cattleya labiata var. caerulea

Parte das labiatas está fixada em estacas da madeira “sabiá” (Mimosa caesalpiniifolia), parte em vasos de barro com substrato de cubos de casca de coco e amêndoas do coco “catolé” (Syagrus cearensis). Todas ficam penduradas em varais. O orquidário é coberto e envolvido, nos quatro lados, por tela negra de 70%. A adubação é quinzenal.

Considero que esse plantel é, numericamente, apropriado para embasar um levantamento estatístico confiável, embora se deva levar em conta que os dados por mim obtidos podem divergir dos de outras coleções da mesma espécie, em condições ambientais e de tratos culturais diferentes.

Foi o seguinte o número das florações em 2015:

  • Janeiro – 41
  • Fevereiro – 46
  • Março – 20
  • Abril – 28
  • Maio – 12
  • Junho – 05
  • Julho – 10
  • Agosto – 23
  • Setembro – 10
  • Outubro – 28
  • Novembro – 10
  • Dezembro – 17
Cattleya labiata tipo
Cattleya labiata tipo

Cabe destacar que, das 159 Cattleya labiata adultas, 140 floriram entre janeiro e dezembro de 2015. A título de curiosidade, acrescentaria: 65 delas floriram apenas uma vez. Por outro lado, o clone de nº 100, em estaca de madeira, lançou flores em cinco ocasiões e o de nº 085, em vaso de barro, seis vezes.

Florações labiatas 2003 - 2013Comparando-se os três gráficos em anexo, podemos observar o padrão atípico das florações de 2015. O primeiro apresenta um recorte histórico de dez anos (de 2003 a 2013) e revela uma curva que se reproduz, praticamente, todos os anos. O mês de janeiro traz alta produção de flores, sequenciando um período ascendente iniciado em novembro do ano anterior. A partir de fevereiro, as florações se reduzem, até chegarem ao patamar mais baixo em julho, quando tem início nova ascensão, que vai fechar em alta o ciclo anual.

Florações labiatas 2014O segundo gráfico se reporta às estatísticas de 2014, quando o padrão histórico se reproduz de uma forma muito aproximada.

Já em 2015 – terceiro gráfico –, as oscilações foram constantes o ano inteiro. A curva tradicional quase não aparece, substituída por altas e baixas de janeiro a dezembro. O mês mais florífero foi fevereiro (e não janeiro), enquanto o de menor produção foi junho (e não julho). Novembro revelou-se um período medíocre e dezembro também não reproduziu o alto nível das floradas que o caracteriza.

Florações labiatas 2015Conforme destaquei inicialmente, nenhuma mudança digna de nota aconteceu no orquidário ao longo do ano de 2015, o que me impede de atribuir a irregularidade da floração a uma causa hipoteticamente válida. Estatística é assim mesmo: aguça a curiosidade, mas nem sempre oferece respostas conclusivas.

Sobre o autor: Italo Gurgel é professor e jornalista. Reside em Fortaleza/CE e, atualmente, é diretor de Comunicação da Associação Cearense de Orquidófilos-ACEO, entidade que já presidiu em duas gestões. É autor da “Cartilha de Cultivo de Orquídeas”, editada pela ACEO, e de uma série de artigos publicados em revistas orquidófilas do Brasil e Portugal.

Falta um mês para a abertura do 9º FestOrquídeas de Fortaleza

Cartaz 9º FestOrquídeas de Fortaleza
O cartaz do FestOrquídeas destaca, este ano, a riqueza de variedades da Cattleya labiata. A concepção é do jornalista Marco Vasconcelos (clique para ampliar).

Começa a contagem regressiva para o 9º FestOrquídeas de Fortaleza, que será aberto no próximo dia 27 de novembro, prosseguindo até o dia 29, na Casa de José de Alencar (Av. Washington Soares, 6055 – Messejana). A Associação Cearense de Orquidófilos-ACEO está ultimando os preparativos para oferecer à cidade mais um grande evento, com as orquídeas em primeiro plano, atraindo e encantando multidões de visitantes. O ingresso é grátis, assim como o estacionamento.

Paralelamente à exposição, haverá oficinas de cultivo, seminário enfocando temas do interesse dos cultivadores e a comercialização de orquídeas por parte dos orquidários Flores do Lago, de Minas Gerais, e Santa Gertrudes, do Ceará. Também poderão ser adquiridos implementos diversos, como vasos, substratos, defensivos naturais e adubos, além de outras plantas ornamentais, a exemplo de Adenium, cactos e bromélias. A ACEO preparou uma ampla agenda de oficinas de cultivo, assim como um seminário, a ser oferecido na tarde do dia 28, sábado, com a presença de estudiosos da Orquidofilia e da Orquidologia.

O 9º FestOrquídeas coletará donativos, outra vez, para a Associação dos Amigos do CRIO, a ASSOCRIO. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos, que presta assistência a pessoas portadoras de câncer e economicamente carentes. Seus beneficiários são os pacientes do Centro Regional Integrado de Oncologia-CRIO, instituição especializada no tratamento de câncer e que tem como foco principal a qualidade e humanização do atendimento.

Matéria do boletim “Lusorquídeas” destaca a Cattleya labiata

Lusorquideas 001A revista Lusorquídeas, boletim oficial da Associação Portuguesa de Orquidofilia (APO), circula, em seu vol. VII, nº 01, com matéria do professor e jornalista Italo Gurgel, diretor de Comunicação da Associação Cearense de Orquidófilos (ACEO). A convite da presidente da APO, Graziela Meister, o autor discorre sobre a floração da C. labiata em seu orquidário, a partir de estatísticas que comprovam a ocorrência de flores em todos os meses do ano.

Segue-se o texto da revista portuguesa, ilustrado com fotos também de autoria de Italo:

Cattleya labiata: flores o ano inteiro?

Lusorquideas 002A floração é, sem dúvida, a apoteose do ciclo vegetativo da orquídea. Em função dela é que nós, cultivadores, cercamos de cuidados nossas plantas, de janeiro a dezembro. Daí, quando as flores reaparecem, com seu espetáculo de cores e perfumes, nos sentimos recompensados por todos aqueles pequenos cuidados que dispensamos aos vasos durante meses: as regas, adubações, aplicações de defensivos, trocas de substrato, podas de folhas e pseudobulbos ressequidos…

As flores, eu diria, são o oxigênio que retempera nossa paixão pela orquidofilia. Diante disso, a escolha de espécies tendentes a oferecer floradas generosas é fundamental para garantirmos nossa cota de periódica de alegria e deleite estético.

Buscar as orquídeas mais floríferas e que atendam ao nosso gosto particular é um exercício permanente e desafiador. Creio que, nessa tarefa, o principal critério a ser considerado é escolher espécies endêmicas de nossa região, afeitas, portanto, às condições climáticas que irão encontrar no orquidário. Logo em seguida, vem a busca pela adaptabilidade e rusticidade, características que asseguram uma rápida aclimatação da planta ao ambiente artificial onde será cultivada, permitindo-lhe, em pouco tempo, e na plenitude, retomar seu ciclo e cuidar daquilo que a natureza lhe ensinou: produzir flores para garantir a perpetuação da espécie.

Em minha “caça” à orquídea florífera, assestei a pontaria, há alguns anos, na Cattleya labiata Lindl., flor de grande porte, extraordinariamente perfumada, fácil de ser cultivada e com um grande número de variedades. Sendo nativa do Nordeste brasileiro, a região onde habito, acreditei que ela não se sentiria desgarrada, ao ocupar o cantinho que lhe reservei.

Lusorquideas 003Tenho meu orquidário na periferia da cidade de Fortaleza, a cidade brasileira mais próxima da Europa, distando 5.600 km de Lisboa. A C. labiata vegeta em áreas localizadas cerca de 50 a 100 quilômetros do mar e em altitudes que variam de 500 a 1.000 metros. Essas diferenças, porém, não comprometem a adaptação da planta a novos ambientes. Ela atende àquele pré-requisito, já apontado, de rusticidade e adaptabilidade, podendo ser encontrada em orquidários de todo o Brasil, mesmo os da Região Sul do país, onde se registram invernos rigorosos, com temperaturas abaixo de zero grau.

Segundo Arthur W. Holst, que prefaciou o livro “Cattleya labiata autumnalis”, de L.C. Menezes, talvez o cultivo fácil dessas plantas “possa ser explicado pela sua diversidade em seu ambiente natural, o qual é extremamente inóspito na maioria do ano. A conclusão é lógica: se elas podem crescer e florescer por lá, podem crescer e florescer em qualquer lugar!”

O que me fascina, porém, no cultivo da C. labiata, é seu “desdém” pelo calendário. Embora a literatura orquidófila identifique seu período de floração entre os meses de novembro e dezembro, estendendo-se até o início do outono brasileiro (março), no Ceará essa distribuição temporal é ignorada pela espécie. Há muito tempo, mantenho um criterioso registro de todas as floradas em meu orquidário e o que talvez surpreenda é que tenho vasos floridos em absolutamente todos os meses do ano.

Exponho, a seguir, informações sucintas sobre as condições de cultivo que pratico:

O ORQUIDÁRIO – Localiza-se na Região Metropolitana de Fortaleza (300 km ao sul da linha equatorial), mais precisamente no município de Eusébio, que ocupa uma planície arenosa de tabuleiros litorâneos, com altitude média de 20 metros. A temperatura apresenta variação anual de 24°C a 32°C à sombra, com uma leve queda entre junho e agosto. O orquidário está a cerca de 10 km da praia, em linha reta, interpondo-se, nesse percurso, os mangues do rio Pacoti. A brisa sopra de leste durante o ano inteiro, transformando-se em ventos mais fortes nos meses de agosto e setembro.

Lusorquideas 004A COLEÇÃO – São, ao todo, 156 touceiras adultas de C. labiata, parte delas fixada em toras da madeira Sabiá (Mimosa caesalpiniifolia), parte em vasos de cerâmica contendo os mais diferentes substratos: casca de coco cortada em pellets, frutos secos da palmeira tropical Catolé (Syriagus cearenses), carvão, brita, esfagno… Os vasos e demais suportes estão pendurados em varais, no orquidário, que é recoberto com a tela de sombreamento de 70%, sem a superposição de plástico impermeabilizante.

Na irrigação, utiliza-se um sistema de nebulização, controlado por temporizador (timer), com quatro regas diárias de três minutos, todas no período da manhã. A adubação é feita com intervalos de 15 dias, alternando-se os produtos B&G (macro e micronutrientes, na formulação 5-6-7) e Superthrive, este, em doses homeopáticas. Na proteção contra pragas e doenças, aplica-se, preventivamente, a cada três meses, um defensivo natural, não tóxico, fabricado pela “Naturalcamp”, e um fungicida sistêmico, que exige o uso de equipamento de proteção individual.

ESTATÍSTICA – Com os tratos culturais e o ambiente acima descritos, a C. labiata tem oferecido excelente resposta, não só expandindo o enraizamento e multiplicando as novas brotações, como produzindo uma profusão de flores.

Em 2014, do total de 156 plantas observadas, 130 floriram, muitas delas mais de uma vez, totalizando 218 florações. Em alguns casos, as estatísticas são particularmente curiosas: a labiata nº 56 floriu cinco vezes no ano e a de nº 91 produziu 14 flores em apenas duas floradas, o que não deixa de ser uma façanha para uma Cattleya unifoliada.

O gráfico que se segue revela o total de florações, mês a mês:

Lusorquideas 007

Como se pode ver, o recorde aconteceu em janeiro (49), seguindo-se queda constante até julho (1) e uma nova escalada, até chegar ao mês de dezembro (36).

Lusorquideas 005Cabe comentar que este levantamento estatístico não se propõe de caráter científico, mas intenta apenas ilustrar uma situação de cultivo que pode, eventualmente, inspirar novas experiências ou embasar pesquisas mais aprofundadas, em outros ambientes e latitudes, com esta ou outras espécies de orquidáceas.

Para concluir, impõe-se um alerta – senão, um grito: hoje, os estoques da Cattleya labiata Lindl., em seu hábitat natural, estão seriamente comprometidos. Além da coleta indiscriminada, soma-se o agravante da derrubada da floresta nativa para dar lugar ao plantio de bananeiras, prática absurda, porém muito comum nas serras úmidas do Ceará e em regiões de outros estados do Nordeste brasileiro onde essa espécie ocorre. Diante de tal realidade, cresce a importância dos orquidófilos como responsáveis pela salvaguarda e perpetuação daquela que é, certamente, a mais bela orquídea brasileira.

Quando o céu fecha as torneiras

Transcrevemos, a seguir, artigo do jornalista Italo Gurgel, Diretor de Comunicação da Associação Cearense de Orquidófilos (ACEO), publicado no Vol. 28, Nº 3 da revista Orquidário, publicação trimestral da OrquidaRio Orquidófilos Associados, do Rio de Janeiro. Segue-se o texto:

Nas plantas fixadas em estacas de madeira, basta usar o borrifador.
Nas plantas fixadas em estacas de madeira, basta usar o borrifador. (Foto: I.Gurgel)

“As mudanças climáticas, em escala global, são cada vez mais evidentes e trágicas. As temperaturas sobem, eleva-se o nível dos oceanos e o processo de desertificação avança – com imprescindível ajuda do homem, que segue desmatando, promovendo queimadas e investindo contra as matas ciliares e nascentes dos rios. Agora, o resultado dessa conjugação de malefícios bate à nossa porta e invade nosso cotidiano. O calor é sufocante, nas grandes cidades o ar se torna irrespirável e, de repente… faltou água nas torneiras. Em boa parte do País, a fonte secou.

No Ceará e no Nordeste, o relato das grandes secas está presente na história desde os tempos coloniais. Na literatura, cinema, teatro, música e artes plásticas, é tema recorrente. Mesmo assim, não se conhecem soluções redentoras. Nos longos períodos de estiagem, as represas secam inapelavelmente. E nem sempre adianta perfurar poços artesianos, pois, em boa parte do Sertão, a água, de tão salobra, é imprópria para o consumo. Assim, a única saída, para evitar o colapso total, é o racionamento.

Esse contexto de escassez é penoso para todos. Mas, quando se tem uma atividade que, normalmente, impõe consumo elevado de água – como o cultivo de orquídeas –, cabe admitir que a situação se torna dramática.

Há muito tempo, enfrento esse drama. Tenho dois pequenos orquidários – um na Região Metropolitana de Fortaleza, outro na cidade serrana de Pacoti, a 100 quilômetros da Capital. Em ambos, a escassez de água é velha conhecida, independentemente de as fontes serem diferentes: no primeiro, disponho de um poço profundo, cuja vazão se reduz drasticamente nos longos meses sem chuva; no segundo, conto com os serviços da companhia de água e esgoto (o que se traduz no fornecimento de água, por alguns minutos, a cada oito ou dez dias).

A Cattleya agradece sua ração de água, mesmo que em doses contidas. (Foto: I.Gurgel)
A Cattleya agradece sua ração de água, mesmo que em doses contidas. (Foto: I.Gurgel)

Na serra, como no litoral, a situação agrava-se porque os ventos fortes costumam soprar nos meses mais secos, justamente quando a temperatura sobe e as nuvens quase que desaparecem. As plantas, então, começam a desidratar mais rapidamente, exigindo regas mais abundantes e frequentes.

O que fazer? Viver uma situação emergencial significa aprender a administrar a escassez, ou seja, obter o máximo, empregando o mínimo. Não se pode desperdiçar aquilo que, de repente, se tornou precioso e raro. O “lado bom” da carência é que o estresse hídrico termina resultando em florações mais abundantes, no caso de algumas espécies. Convenhamos, porém, que a essa altura não são as flores o que mais nos interessa, e sim a sobrevivência das plantas.

Quando a vazão do poço diminui, quando a torneira somente jorra uma vez por semana, cuido de armazenar a água disponível. Procurando não desperdiçar uma gota sequer – prática, aliás, necessária em qualquer época ou circunstância – faço pequena reserva, suficiente para uso doméstico e rega das orquídeas.

Esse armazenamento, que em Pacoti é feito em duas caixas d’água de fibra de vidro (interligadas), irá garantir outro resultado benéfico. Como, nesse período, a má qualidade da água passa a exigir uma quantidade maior de cloro em seu tratamento, um repouso mais prolongado, nos depósitos, possibilitará certa aeração, reduzindo a clorificação. As plantas agradecem.

Há que regular o jato da mangueira: a ordem é evitar desperdícios. (Foto: I.Gurgel)
Há que regular o jato da mangueira: a ordem é evitar desperdícios. (Foto: I.Gurgel)

A estratégia mais efetiva há de ser posta em prática na hora de molhar as orquídeas. É o que se pode chamar de óbvio: se não existem soluções mágicas, a saída é espaçar as regas e reduzir o dispêndio d’água em cada sessão.

Nenhum desperdício é permitido. Nada de jatos abundantes, como nos velhos bons tempos de represas transbordantes. Com o fluxo da mangueira regulado em um mínimo, iremos ministrar doses contidas, numa rápida passagem pela fileira de vasos, apontando para o substrato. Se necessário, depois forneceremos um pouco mais a este ou aquele vaso onde o toque do dedo revelar que o substrato continua seco.

Nos dias de mais aguda escassez, podemos nos contentar com o borrifador e esquecer a mangueira. Aliás, em qualquer quadra do ano, não é preciso mais do que o borrifador para regar as orquídeas fixadas em placas ou estacas de madeira. Lançar um jato d’água sobre esses suportes é mero esbanjamento.

Por outro lado – e voltando às plantas acomodadas em vasos –, devemos ser um pouquinho mais generosos com aquelas cujo pseudobulbo está em crescimento. A falta d’água, nessa etapa, pode fazer com que o pseudobulbo não se desenvolva adequadamente, acarretando, depois, florações mais modestas, quando não, o abortamento das espatas.

Para obtermos o melhor proveito da irrigação parcimoniosa, vamos nos lembrar daquela recomendação de regarmos o orquidário pela manhã. Como a evapotranspiração das plantas será mais forte nas horas seguintes, é desejável que suas raízes encontrem reservas de umidade para repor a água que se perderá através das folhas.

Esfagno e casca de coco, duas opções de substrato para reter umidade por mais tempo. (Foto: I. Gurgel)
Esfagno e casca de coco, duas opções de substrato para reter umidade por mais tempo. (Foto: I. Gurgel)

Não nos esqueçamos, também, de que os vasos plásticos retêm a umidade por mais tempo. Portanto, na hora de regar, eles não precisam receber tanta água quanto os de argila. Outra estratégia recomendável é, na medida do possível, substituir o substrato que não retém umidade por aquele que se mantém úmido por mais tempo. Isto significa, por exemplo, menos brita e isopor, mais esfagno e casca de coco.

Uma vez que o vento em excesso apressa a desidratação das plantas, especialmente quando há baixa umidade do ar, cabe tomar providências para barrar um pouco a ventilação, adensando o telado nas paredes laterais. Um pouco mais de sombreamento também ajuda, levando-se em conta que, conforme já assinalei, a época de águas escassas é aquela em que o sol flagela com mais rigor as plantas, os animais… e o bicho homem. Menos sol, menos evapotranspiração.

Sombrear mais, ventilar menos… dependendo das circunstâncias, esta fórmula pode levar à proliferação de fungos. Felizmente, o perigo de que o inimigo se fortaleça será reduzido pelas próprias condições climáticas e pela redução das regas.

Cabe lembrar que a economia de água em outros itens da vida doméstica é absolutamente necessária e vem complementar o esforço de redução do consumo no orquidário. Coloquem-se em prática, então, aqueles aconselhamentos que os veículos de comunicação têm repetido à exaustão: na hora do banho, fechar a torneira ao ensaboar-se; coletar a água do banho para dar descarga no vaso sanitário; não deixar torneiras gotejando… Uma providência urgente é dar férias não remuneradas àquela maquininha que acelera o jato d’água, a lavadora de alta pressão, que eleva consideravelmente o consumo. O carro está empoeirado? Limpa-se com uma flanela molhada.

De resto, considero que o item principal de todo o receituário para sobreviver à era das vacas magras é usar o bom senso, é observar melhor as orquídeas, procurando apreender suas carências ou satisfação com a quantidade de água que estamos ministrando. Não podemos pecar pela falta, nem pelo excesso, uma postura que, na verdade, deve prevalecer o tempo inteiro em nossos orquidários. Chova ou faça sol.”